Espaço Sergio Britto
Unidade CAL Glória
A dramaturgia de Wajdi Mouawad orbita em torno de temas muito caros à psicanálise: as origens, a filiação, o retorno ao passado como lugar de entendimento, a memória, a possibilidade de mudar as direções da vida. Com este texto emblemático, uma tragédia contempo-rânea com inspiração clássica, a Turma BT29C encerra a sua vivência no Bacharelado em Teatro da Faculdade CAL de Artes Cênicas. Atravessando os tempos conturbados da pandemia, de volta ao presencial, os atores e atrizes têm diante de si o desafio da construção de belos personagens. Mais uma vez à frente de um espetáculo de formatura, Marcelo Morato, apoiado por talentosa equipe, enri-quece a formação de nossos alunos e alunas. Que persistam na Arte com energia, enfrentando os desafios da profissão com responsabilidade e vigor, é o que desejamos.
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palavras do diretor
Marcelo Morato
O processo de montagem de formatura da turma BT29C teve início em março de 2020. Na semana seguinte, as aulas foram interrompidas em todo o país por conta da Covid-19. Duas semanas mais tarde retomamos os encontros por meio do ensino remoto, e assim permanecemos até o segundo semestre, lendo peças, estudando o texto escolhido, fazendo seminários, produzindo cenas em vídeo, realizando improvisações, recebendo convidados para debater conosco as complexas questões de “Incêndios”, tudo através das telas de nossos celulares e computadores. Decidimos retomar os ensaios presenciais em janeiro de 2021, mas uma nova cepa interrompeu mais uma vez nosso projeto a três semanas da estreia. Agora, em 2022, resolvemos retomar esse sonho, já praticamente abortado. Nem todos da turma puderam estar presentes, mas estamos muito felizes de poder, finalmente, compartilhar com os espectadores essa experiência longa, intensa e sempre ameaçada de encenar a obra-prima de Wajdi Mouawad.
Mouawad nasceu no Líbano em 1968. Por conta da Guerra Civil que se estendeu de 1975 a 1990 em seu país, sua família se exilou na França e depois se abrigou no Canadá. A obra dramatúrgica de Mouawad dialoga com a guerra, com o exílio, com a perda da pátria que, no caso do autor, se somou à perda precoce da mãe. “Incêndios” faz parte de uma tetralogia, denominada “O Sangue das Promessas”, que inclui também as obras “Litoral”, “Florestas” e “Céus”. “Incêndios” se tornou a mais conhecida das quatro, após a versão cinematográfica de 2010, dirigida por Denis Villeneuve. A protagonista Nawal Marwan, nascida em algum país do Oriente Médio e atualmente cidadã canadense, acaba de morrer e, em seu testamento, faz revelações até então ignoradas por seus filhos gêmeos Jeanne e Simon. A ambos deixará uma missão de extrema complexidade. A jornada dos filhos em busca do passado obscuro da mãe os levará a uma viagem a seu país de origem, onde revelações aterradoras os aguardam.
Os intensos conflitos no Oriente Médio, particularmente no Líbano, foram agravados pelo afluxo de refugiados de religião islâmica, que buscaram abrigo nesse país, ao fugir da Palestina e dos constantes embates contra israelenses. Antigas disputas entre cristãos, muçulmanos e judeus, agora em convívio intensificado no Líbano, alimentaram uma longa guerra civil, com violação dos direitos humanos, fortalecimento das milícias, assassinatos, estupros, prisões, torturas e represálias, numa violenta batalha que alterou a paisagem e a história de um dos países mais pacíficos do Oriente, atraindo a intervenção de países vizinhos e longínquos. Rixas políticas, guerra santa, posse do petróleo, luta pela terra e pelo poder, além de outros tantos motivos sociopolíticos e culturais se atravessam, dificultando a investigação sobre as origens dos conflitos, que também remetem à criação do Estado de Israel, à Guerra Fria e à intervenção constante dos Estados Unidos, da União Soviética e de muitos grupos e organizações nas Guerras do Oriente. O autor, que mistura referências e épocas, não se propõe a compor um drama histórico. Nenhuma religião, nenhum país, organização, conflito ou data específicos são citados na peça. Parece que Mouawad não deseja que nos limitemos a pensar no conflito libanês, mas na guerra em si e em toda a destruição avassaladora que provoca no indivíduo.
Os diversos planos temporais e os múltiplos locais de ação se atravessam na complexa obra de Mouawad que, além de se inspirar em sua memória pessoal e na história de seu país, dialoga com as tradições dramatúrgicas, notadamente as da tragédia grega, compondo uma potente tragédia contemporânea. As lutas fratricidas, a guerra civil, o inimigo interior, a escolha errada, a questão da Justiça, a falha trágica e o incesto são ressignificados por Mouawad, numa dramaturgia de extrema teatralidade. São dignos de nota a complexidade de suas personagens, a eloquência de seus silêncios, o impacto poético de seu texto, a relevância dada ao amor, à amizade e ao diálogo como formas de nos extirpar da miséria humana, a maneira como o autor nos compromete com questões mundiais que aparentemente “não nos dizem respeito” e a sua busca, às vezes desesperançada, por uma saída para os horrores da guerra.
Quero agradecer imensamente à turma BT29C, por seu empenho e perseverança, a Leonardo Briones, meu diretor assistente, que foi de grande auxílio, aos atores substitutos e à CAL, por sua parceria neste longo processo. A todos da equipe e aos espectadores, repito a frase de Nawal: “agora que estamos juntos melhorou”.
Wajdi Mouawad
Ângela Leite Lopes
Marcelo Morato
Leonardo Briones
Wilson Reiz
Marcelo Morato
Luca Matteo
Marcelo Morato
Marie Leba
Leonardo Briones
Thalys Guarnieri
Matheus Lelis
Rita Ariani
Pablo Henriques
Marcia Quarti