OS ÁTRIDAS

É fácil recuar com medo diante da tragédia grega. Ainda mais numa montagem com alunos formandos. Ainda mais sendo minha estréia como diretor dentro desta instituição. Mas senti que era esta a hora. Para mim e para eles. Não me detive numa única tragédia. Resolvi encenar a saga dos Átridas, filhos de Atreu. Desde que li a Oréstia, fiquei fascinado com o monumento que era aquela obra. Para esta montagem, adaptei sete tragédias que mostravam a mesma família e sua sede de vingança e a vontade de se livrar da maldição daquele palácio. A Oréstia de Ésquilo (Agamêmnon; Coéforas; Eumênides); Electra de Sófocles; e Ifigênia em Áulis; Electra; Orestes de Eurípides. O desafio é imenso. É voar sobre as culminâncias. É saltar nos abismos. É do alto que se tem as maiores vertigens. E teatro para mim é desafio, é vertigem, é vôo, é abismo. Não somente voar para as paisagens longínquas. E a Grécia nos é mais próxima do que parece, à primeira vista. Mas, sobretudo mergulhar nos vales interiores. Ariane Mnouchkine diz, sobre o universo trágico: “é içar velas em direção a um continente obscuro, perigoso, que parece muito distante, subterrâneo, do outro lado do oceano, feroz”. Logo em seguida, ela arremata: “Tudo está ali”. Comprovamos isso no decorrer dos ensaios. Lá já estavam Shakespeare, Beckett, Eugene O´Neill, Nelson Rodrigues, Sartre, todos os grandes. Tragédia é erro de julgamento. É poder escolher, mas não saber se a escolha é a melhor. É, portanto, má escolha. Dá-se sempre entre amigos, entre parentes. É, como diz Ariane, “a guerra intestina. Entre os mais próximos. Quanto mais próximos, mais se matam. Quanto mais se amam, mais se matam. É o tema de sempre: a guerra civil, a luta fratricida, o inimigo interior, a divisão no interior de si mesmo”. É também, no caso dessas tragédias, a purgação, a lavagem do sangue, o primeiro julgamento mítico e histórico, o desejo de paz, a cura pelo amor.

Marcelo Mello